Felicidade ou paz?

Felicidade ou paz?

Por Daltro Feil

Quando falo sobre felicidade com amigos ou pacientes, percebo algo curioso: muitos pensam em alegria intensa, em realizações brilhantes, ou em momentos que nos fazem sorrir imediatamente. É comum acharmos que a felicidade é um ápice constante de prazer e satisfação, como se esperássemos um estado de euforia permanente. Porém, ao longo da vida, notei que essa visão pode nos levar a um estado de eterna busca e ansiedade, pois raramente esses picos duram por muito tempo.

Com o tempo, comecei a refletir sobre algo diferente: talvez o que realmente busquemos seja uma sensação mais calma e profunda—algo como a paz interior. Diferente da felicidade, que oscila como ondas no mar, a paz interior se assemelha a uma correnteza tranquila sob a superfície, estável, contínua, quase invisível aos olhos, mas muito perceptível ao coração. Essa corrente serena não impede que as ondas externas se movam; ela somente nos ajuda a não sermos arrastados por elas.

A vida naturalmente traz altos e baixos. Nossos acontecimentos extraordinários são inesperados, e o ritmo da vida nem sempre é uniforme. Um dia podemos estar realizados com uma promoção no trabalho, um projeto pessoal concluído ou uma viagem dos sonhos; no seguinte, podemos enfrentar uma perda, uma frustração ou uma crítica que nos abala profundamente. É a impermanência das coisas, algo com que todos precisamos aprender a conviver.

O problema surge quando nossa felicidade depende exclusivamente das condições externas — do emprego, do relacionamento, do reconhecimento dos outros. Ao depender disso, ficamos vulneráveis, presos numa montanha-russa emocional em que nossas alegrias sobem e descem com cada resultado, elogio ou mudança de cenário. Esse vai e vem pode ser exaustivo, pois ficamos constantemente atentos ao que acontece fora de nós.

Por outro lado, percebo cada vez mais claramente que a paz interior vem de um lugar diferente. Ela nasce da aceitação, do contentamento com o agora, mesmo que esse agora não seja perfeito. Paz interior é saber acolher nossas dificuldades, aceitar nossos limites, entender que nem tudo está sob nosso controle — e ainda assim, encontrar conforto e equilíbrio emocional. Não é resignação: é reconhecer o que cada momento oferece e responder com gentileza a si mesmo.

Estar em paz não significa desistir de sonhos ou parar de buscar melhorias. Pelo contrário, a paz oferece uma base firme para construir esses sonhos. É como se ela fosse um porto seguro, permitindo-nos navegar melhor pela vida, aproveitar o caminho e enfrentar tempestades com resiliência. Com essa base, conseguimos planejar com mais clareza, agir com menos impulsividade e celebrar cada pequena vitória com gratidão genuína.

Uma mudança sutil e poderosa que costumo sugerir é substituir a pergunta: estou feliz? por Estou em paz? Essa troca simples muda profundamente nossa percepção. Enquanto a felicidade pode ser passageira e escorregadia, a paz interior, quando encontrada, se revela sólida e reconfortante. Ao perguntar: estou em paz?, redirecionamos o olhar para dentro, para a qualidade do nosso estado interno, e não apenas para as circunstâncias externas.

Para nutrir essa paz, práticas como meditação, atenção plena e gratidão nos ajudam a acolher o presente e cultivar equilíbrio interno.

Também procuro lembrar aos meus pacientes que paz interior não significa ausência de emoções fortes. Podemos sentir entusiasmo, curiosidade, empolgação e ainda manter a serenidade no centro do nosso ser. A diferença é que, com a paz como base, esses momentos de intensidade não se tornam nossa única fonte de validação. Eles passam, mas a estabilidade permanece.

Outro aspecto importante é a autocompaixão. Muitas vezes, somos nossos críticos mais severos, exigindo desempenho, produtividade e perfeição. Ao cultivar a gentileza consigo mesmo, aprendemos a acolher erros como parte do aprendizado e cuidar de nossas necessidades emocionais. Isso fortalece a paz interior e reduz a autossabotagem.

Com essa tranquilidade interna, conseguimos enfrentar desafios profissionais e pessoais com mais clareza, criatividade e confiança. Essa base de paz interior nos fortalece para lidar com imprevistos e aprender com cada experiência.

Assim, construímos uma vida com mais coerência, propósito e resiliência.

Ao falar sobre esses temas, percebo que a verdadeira satisfação não está nos momentos efêmeros de alegria, mas na qualidade do nosso estar-ser contínuo.

Quando falo de paz interior, estou convidando cada pessoa a olhar para dentro, a reconhecer seu ritmo e a construir um espaço interno de silêncio produtivo, onde sonhos podem florescer sem depender de aplausos externos.

Convido você a perguntar: Como está minha paz? E descobrir um novo horizonte de serenidade além dos picos passageiros.

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