Por Daltro Feil, Me.
Muitas vezes, quem chega ao consultório de psicanálise traz problemas aparentes: um conflito profissional, dificuldades no relacionamento ou até uma angústia que não sabe de onde vem. Em geral, essas pessoas acreditam que precisam de uma solução imediata ou de uma estratégia para conter o desconforto. Mas, conforme começamos a conversar, fica claro que o que realmente alimenta o sofrimento não é somente o fato em si, e sim como cada um pensa, sente e interpreta o que vive. É como se a mente, construída ao longo de toda a existência, criasse filtros que tornam a vida mais pesada do que precisa ser.
Nas sessões, escuto quem se sente sem valor e quem acha que vai fracassar sempre. Também há aqueles que veem cada dificuldade como um inimigo gigantesco, certos de que o mundo é hostil. Em todos esses casos, percebo que o ponto de partida do tratamento é desvendar as crenças arraigadas que direcionam cada atitude. A partir daí, conseguimos entender como essas ideias foram criadas e como elas se repetem no presente, influenciando as escolhas.
Muitas vezes, essas convicções nascem na infância. Basta lembrar que, quando somos pequenos, não temos tantos recursos para analisar criticamente o ambiente. Interpretamos o que vivemos – seja por meio de reações dos adultos, de regras familiares ou de experiências na escola – como verdades. Ao longo do tempo, essas verdades viram uma espécie de lente pela qual cada paciente enxerga as situações. O problema é que, se essa lente estiver carregada de medos, inseguranças ou ideias rígidas, acaba limitando as possibilidades de ação e gerando mais sofrimento. Então, o processo de mudança não envolve somente adquirir uma nova informação, mas também questionar aquilo que foi tomado como certo por anos.
É nesse ponto que surge a resistência. Em consultório, é comum notar como a mente humana busca preservar o que já conhece, mesmo que esse conhecimento não seja positivo. Mudar dá trabalho, gera desconforto e pode desencadear uma sensação de traição de quem se era até então. Já atendi pacientes que relataram medo de perder suas raízes, de deixar de ser aquela pessoa reconhecida pela família ou pelos amigos. Mesmo quando uma pessoa sofre com suas crenças, elas fornecem algum tipo de estrutura, como se fossem muletas para se equilibrar no dia a dia. Largar essas muletas pode trazer insegurança, dúvidas e a sensação de estar pisando em terreno desconhecido.
Além da dimensão interna, há também o impacto do meio social. Muitas pessoas se veem envolvidas em círculos de convivência que reforçam, sem querer, as mesmas crenças limitantes. A família ou os amigos, acostumados a enxergar aquele indivíduo de certa forma, podem reagir com estranheza quando ele começa a questionar velhos padrões. Já vi casos de pacientes que, ao tentarem adotar novas atitudes, sentiram uma barreira invisível: piadas, comentários desencorajadores ou até um distanciamento repentino. Nesse cenário, a pessoa pode se sentir solitária, como se não houvesse mais lugar para ela naquelas relações estabelecidas. Nesse ponto, a coragem de prosseguir na mudança se torna crucial.
É importante lembrar que mudar a própria mentalidade não acontece do dia para a noite. O caminho até as transformações reais costuma ser lento e exige uma dose considerável de paciência e persistência. Vejo com frequência pacientes que, nas primeiras sessões, relatam sentir-se falsos ou forçados ao tentar pensar de outro modo. Faz parte do processo: a construção de uma nova maneira de perceber o mundo requer repetição, vivência e, em alguns casos, uma releitura das experiências passadas. Gradualmente, esses novos pensamentos vão se incorporando na rotina e deixando de soar estranhos, até que se tornem parte natural do repertório de emoções e atitudes.
Apesar das dificuldades, os resultados que acompanho indicam que todo esse esforço vale a pena. Quando alguém consegue, por exemplo, superar a ideia fixa de que “não merece ser feliz”, experimenta um alívio e descobre um espaço interno para crescer. Da mesma forma, quem desaprende a encarar desafios como ameaças constantes começa a enxergar oportunidades de desenvolvimento. Nesses momentos, sinto que a terapia cumpre o papel de oferecer um espaço seguro para experimentar novas possibilidades sem julgamento. É nesse ambiente de acolhimento que o indivíduo conquista gradativamente a liberdade de ser quem é, sem estar preso a padrões automáticos de pensamento.
No fim das contas, os problemas que levaram a pessoa ao consultório muitas vezes se revelam sintomas de algo maior: um sistema de crenças e hábitos emocionais que, em vez de proteger, aprisiona. Reconhecer essa dinâmica profunda é o primeiro passo para a mudança efetiva. As sessões possibilitam dar voz a esse conteúdo interno, entendendo como ele se formou, porque se mantém e como pode ser flexibilizado.
SOBRE
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